A colaboração é inaugurada no blog com texto do historiador econômico André Araujo, com livros publicados sobre o tema.
No texto abaixo, publicado originalmente no Luis Nassif Online (clique aqui), onde é colaborador frequente, André analisa as origens sócio-políticas da presidenta argentina Cristina Kirchner e de sua corrente política, o peronismo.
Cristina Kircner e Juan Perón |
A Argentina de Cristina e o Peronismo
André Araújo
Muitos comentaristas aqui saudaram a vitoria previsivel de Cristina Fernandes de Kirchner como uma vitoria da esquerda Essa visão não combina com a história moderna da Argentina e da corrente de poder partidário que vem dos anos 40, o histórico Partido Justicialista, conhecido como peronismo.
Perón e Evita |
O Tenente General Juan Domingo Perón ascendeu ao poder em duas etapas nos anos 40, a segunda volta já com a presença avassaladora de sua companheira Eva Duarte, a lendária Evita.
Mussolini |
As raízes do peronismo estão no fascismo de Mussolini, o peronismo é na sua essência uma subideologia oriunda do fascismo italiano, de quem copiou modelos de gestão do Estado. Perón morou na Europa ao tempo da ascensão do fascismo e nunca escondeu sua admiração pelo totalitarismo nazi-fascista, sendo o único pais da America Latina que ficou neutro até março de 1945, só declarando guerra ao Eixo para não ficar fora da ONU.
Perseguição ao Clarín? |
A marca central do peronismo é o poder vindo diretamente das massas, é um processo político que tende ao autoritarismo, na eliminação da oposição e por isso mesmo é um regime confrontacionista com as instituições regulares de um Estado demócratico. Na sua primeira fase de 43 a 55 Perón enfrentou o grande jornal liberal da América Latina, LA PRENSA, do jornalista Gainza Paz. A luta foi feroz e Perón conseguiu fechar o jornal. O processo agora se repete com Cristina em luta feroz contra o jornal EL CLARIN e em escala menor contra LA NACION, os únicos dois jornais de opinião contrários ao Governo, os outros 22 jornais de expressão da Argentina são considerados chapa-branca, liderados por PAGINA 12. Com o poder alavancado pelas urnas é provável que Cristina consiga subjugar ou fechar esses dois jornais, seguindo a trajetória clássico do peronismo.
No seu retorno triunfal de 1973, Perón teve apoio das facções de esquerda e direita do peronismo mas sua viúva e sucessora Maria Isabel aliou-se à direita mais radical, representada pelo grupo anti-comunista Triple A, abrindo caminho para os militares.
Cristina e Nestor Kirchner |
Carlos Menen |
Outro desconhecimento impressionante dos comentaristas ao saudar o esquerdismo presumido de Cristina é esquecer que Carlos Menem e o casal Kirchner são do mesmíssimo Partido e da mesma ala desse partido, os Kirchners foram inventados por Eduardo Duhalde, chefe do peronismo na Provincia de Buenos Aires. Aqui atacam Menem como se ele tivesse vindo da Lua, não lembrando que ele e os Kirchners são mesmo ninho. Outro engano dos comentaristas é dizer que Cristina venceu a ""direitona"". Na oposição nas eleições de ontem não existia direitona, o segundo candidato era socialista e o terceiro de centro esquerda.
Aliás, quem dizia que Cristina iria ficar perdida com a morte do marido, ignora que ela era uma política muito mais conhecida a nível nacional como a Senadora Cristina Fernandes do que o marido Nestor, que ninguém em Buenos Aires sabia quem era, mas Cristina todos sabiam quem era. Quando Duhalde apresentou Nestor Kirchner para suceder a uma serie de fracassos presidenciais causou estupefação na capital federal, porque ninguém tinha ouvido falar dele.
Funerais de Nestor. Luto ou Política? |
Na realidade com a morte de Nestor Kirchner, Cristina ganhou na mega sena. Se o marido estivesse vivo seria ele o candidato a Presidente e não ela. Mais ainda, Cristina Kirchner era travada pelo marido que controlava todos os acordos políticos. Sem o marido, o poder de Cristina fica imensamente maior e mais firme, o seu poder incontestado e não dividido, agora todos tem certeza de quem manda, com Nestor vivo isso não acontecia.
Mercedes-Benz |
Portanto é um enorme equivoco confundir peronismo com a esquerda. Perón inaugurou na Argentina o chamado "capitalismo de compadres" que permanece até hoje como o modelo especifico do capitalismo argentino. Só sobrevivem empresas e grupos aliados ao Governo, que centraliza de forma absoluta o controle da economia. Quem não se submeter ao comando do Governo pode arrumar as malas. Perón operava muito através de três ou quatro "compadres"começando por Jorge Antonio, celebre "socio" da Mercedes Benz argentina. Esse mesmo capitalismo vicejou na era Menem, que privatizou os aeroportos para seu não menos famoso amigo armênio, também tinha fortes ligações com os irmãos Bulgheroni, os reis do gás, com Perez Companc, o rei do petróleo argentino, que vendeu sua companhia à Petrobrás, com Amalita de Fortabat, a rainha do cimento, que vendeu sua grande empresa Loma Negra para a Camargo Correa , com Agustin Rocca e seu filho Paolo, rei dos tubos de aço através da Tenaris, dona da Confab no Brasil. Menem tinha uma promiscuidade aberta com esses grupos, os Kirchners operam nas sombras e não frequentam festas em Punta del Este mas a tradição do capitalismo de amigos não foi inaugurado por eles, é coisa bem antiga na Argentina.
Amor Verdadeiro? |
Uma Presidência de Cristina, que agora pode desmontar o teatro do luto fechado e voltar a usar seu fabuloso guarda roupa e sua espetacular coleção de sapatos Laboutin, será uma Presidência muito mais atuante no front político e na economia. O problema é que os argentinos assim como apoiam podem desapoiar, não são abúlicos como os brasileiros. A fuga de capitais começou bem antes das eleições, os argentinos tem o maior know how do mundo em operar em câmbio remeter dinheiro para paraísos fiscais, com uma economia que é um quinto da brasileira tem mais dinheiro no exterior do que os brasileiros, segundo estatísticas do BIS e com um Governo do estilo Cristina não virá investimento estrangeiro, um governo que escamoteia a inflação com estatísticas oficias falsas não tem credibilidade e pode dar vida nova ao grande esporte argentino que é mandar dinheiro para fora e dolarizar a contabilidade.
Se para Cristina a morte do marido rendeu milhões de votos e cacifa muito seu poder pessoal, para a Argentina a morte de Nestor Kirchner foi uma desgraça. Apesar de seu discurso sempre agressivo, Nestor Kirchner era mais equilibrado que a esposa e temperava sua personalidade complicada, Nestor era mais propenso a acordos do que Cristina, que parece que vive para o confronto.
Uma coisa é certa, o segundo Governo de Cristina Kirchner vai ser bem mais marcante que o primeiro e o Brasil deve observar atentamente o que vai acontecer na Argentina, um pais de Historia tumultuada e de grandes altos e baixos nos últimos 80 anos, talvez o maior laboratório de experiências políticas e econômicas do planeta.
E como será Cristina vista por olhos argentinos? |
Texto Original publicado em Luis Nassif Online em 25/10/2011 e ilustrado pelo Blog para esta reprodução
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