Ana Maria Magalhães de Carvalho*
Queremos gritarle al pueblo blanco que estamos vivos, que no somos animales, que somos alguién aqui en la tierra. Tenemos una religión, tenemos valores y una cultura de años. Gritar para que el mundo entero sepa que lo único que queremos es que nos dejen seguir siendo Mbya Guaraníes. (Rodolfo
Chamorro,
líder
espiritual
da
etnia
Mbya
Guaraní)
Cultura dos povos originais do território argentino |
Povos originais do território argentino |
O que
teria
acontecido,
ao
longo
da
história
da
Argentina,
para
que
ela
fosse
caracterizada
como
uma
nação
sem
índios,
mesmo
para
os
próprios
argentinos?
E
quais
teriam
sido
as
consequências
desse
processo
para
os
povos
indígenas
ali
existentes?
Essas
perguntas
constituem
o
cerne
do
problema
que
este
texto
visa
analisar.
Distribuição geográfica dos povos originais do território argentino |
O processo de expansão da sociedade nacional argentina ocorreu
ao longo do século
XIX
e
pode
ser
dividido
em
dois
períodos.
O
primeiro
vai
da
Revolução
de
Maio,
que
tem
início
em
1810,
até
a
unificação
do
estado
nacional,
em
1861,
e
é
marcado
pela
disputa
entre
duas
facções:
as
províncias
Confederadas,
de
orientação
federalista,
e
Buenos
Aires,
que
defendia
maior
centralização
do
poder.
Os
indígenas
participaram
do
processo
estabelecendo
relações
interétnicas
intertribais
e
com
as
duas
facções.
Essas
relações
e
alianças
que
eram
estabelecidas
foram
importantes
para
a
autonomia
e
sobrevivência
dos
povos
indígenas
durante
este
período
de
guerra
civil.
Para
as
duas
facções
que
se
confrontavam
essas
alianças
com
os
indígenas
eram
importantes
para
conformar
seu
contingente
militar
e
contribuir
para
a
segurança
das
fronteiras.
Com
a
vitória
de
Buenos
Aires
em
1861
e
a
unificação
do
estado
nacional
a
situação
se
altera
em
detrimento
dos
indígenas
que
se
tornam
um
obstáculo
a
ser
superado
para
a
continuidade
da
expansão
da
sociedade
nacional.
Julio Roca |
Juan Manuel Rosas |
Podemos assim
sumarizar as principais consequências
desse
processo
para
os
povos
indígenas,
sejam elas:
um
saldo
de
mais
de
12.000
mortos,
comunidades
dispersadas
e
desintegradas,
o
estabelecimento
de
reduções
fronteiriças
e
assentamentos
indígenas
em
terras
inférteis
e
a
exploração
da
mão-de-obra
do
indígena
que
deveria
ser
deculturado
de
seu
patrimônio
original
para
ser
integrado,
em
estratos
inferiores,
à
sociedade
nacional
e
ao
seu
modelo
econômico
capitalista
baseado
na
atividade
agroexportadora
e
na
concentração
de
terras.
Outra consequência fundamental
foi
a
maneira
como
a
identidade
nacional
argentina
vai
sendo
construída
a
partir
da
exclusão
dos
povos
indígenas. Dentre os principais atores nesse processo estão os intelectuais, a igreja
e
as
escolas.
Foi
sendo
conformado
um
discurso
que
deu
origem
a
um
imaginário
coletivo
em
que
o
indígena
é
percebido,
primeiramente,
como
esse
outro
selvagem
a
ser
conquistado
e
em
um
segundo
momento,
posterior
à
conquista
do
deserto,
como
esse
outro
que
também
é
argentino,
porém
inferior
e
que
deveria
ser
assimilado,
em
estratos
inferiores,
à
sociedade
nacional.
O
positivismo
argentino,
em
especial
a
chamada
Geração
de
80
-
biologicista,
evolucionista
e
racialista
-
também
foi
fundamental
nesse
processo,
pois
legitimou
e
forneceu
as
bases
científicas
que
justificavam
a
exclusão
desses
grupos
da
formação
da
identidade
nacional.
Também
houve
uma
política
de
fomento
à
imigração
européia
que
contribuiria
para
a
purificação
da
sociedade,
para
a
inculcação
de
valores
e
modos
de
vida
europeus
e
para
esse
projeto
de
homogeneização
cultural
que
consubstanciou
a
formação
da
identidade
nacional
argentina.
Durante praticamente todo
o
século
XX
foram
realizadas
apenas
algumas
poucas
e
débeis
inciativas
por
parte
do
governo
em
relação
aos
indígenas,
como
a
criação
de
departamentos
que
visavam
dar
conta
do
chamado
problema
indígena,
mas
que
não
foram
capazes
de
estabelecer
uma
política
indigenista
consistente
e
de
longo
prazo.
Somente com o retorno democrático, em 1983,
essa
política
de
relativa
invisibilização
começa
a
ser
alterada
de maneira mais significativa e
assiste-se
à
criação
de
legislações
voltadas
para
o
reconhecimento
dos
povos
indígenas.
Dentre
os
principais
instrumentos
legislativos
estão
as
leis
provinciais
específicas
para
seus
povos
indígenas,
a
lei
nacional
de
política
indígena
e
apoio
às
comunidades
aborígenes,
de
1985,
a
reforma
da
constituição
nacional
em
1994
-
que
seria
o
marco
dessas
ações
e
reconhece
a
pré-existência
dos
povos
indígenas
ao
estado
nacional
-
a
propriedade
comunitária
da
terra
e
direitos
específicos
aos
indígenas,
a
ratificação
da
Convenção
169
da
Organização
Internacional
do
Trabalho
(OIT),
que
versa
sobre
populações
indígenas
e
tribais
e
a
lei
emergencial
sobre
a
posse
e
propriedade
da
terra
de
2006
e
sua
prorrogação
até
2013,
que
proíbe
o
desalojamento
de
comunidades
indígenas
durante
este
período
e
prevê
o
mapeamento
das
terras
ocupadas
por
essas
comunidades.
A partir da criação desse aparato legislativo também são criados os principais programas e politicas públicas voltados para os povos indígenas, como a criação do Instituto Nacional de Assuntos Indígenas, responsável pela aplicação da política indigenista do estado, criação do Registro Nacional de Comunidades Indígenas (RENACI), o reconhecimento de pessoa
jurídica
às
comunidades
registradas
para
que
obtenham
a
propriedade
comunitária
da
terra,
o
Programa
Nacional
de
Educação
Intercultural
e
Bilíngue
e
o
Programa
Saúde
com
os
Povos
Aborígenes.
Etnias originais do território argentino |
·
Haveria
em
torno
de
600.329
pessoas
que
se
reconhecem
como
indígenas,
o
que
corresponde
a
algo
entre
2%
e
3%
da
população
total
argentina;
·
Foram
identificadas
30
etnias
com
mais
de
500
habitantes
e
mais
de
16
etnias
com
menos
de
500
habitantes,
localizadas
principalmente
no
norte
da
Argentina;
·
Mais
da
metade
da
população
que
se
reconhece
como
indígena
pertence
aos
seguintes
grupos
étnicos:
Mapuche,
Kolla,
Toba,
Wichí,
Diaguita
ou
Diaguita
Calchaquí.
·
Verificou-se
um
aumento
da
emigração
do
campo
para
os
centros
urbanos,
apesar
de
a
maioria
dos
povos
indígenas
ainda
viverem
em
regiões
rurais.
Em outubro de 2010
foi realizado um novo censo na Argentina, do qual ainda se espera o resultado.
Pela primeira vez, a organização do censo nacional contou com a participação de
indígenas que também trabalharam junto ao INDEC. Segundo o governo argentino,
cada organização indígena apresentou representantes como censistas,
configurando um total de 1.500 censistas indígenas. A participação dos próprios
indígenas no censo contribuiu para que fossem entrevistadas comunidades que,
anteriormente, nem se sabia da localização ou até mesmo da existência. Esses
censistas também trabalharam na divulgação do censo, produzindo folhetos e
informes publicitários que visavam estimular a população indígena, em especial
a das grandes cidades, como Buenos Aires, Rosário e Córdoba, a confirmar seu
pertencimento a um povo indígena quando fossem questionados pelo censo.
Espera-se, com este censo, obter informações demográficas mais precisas sobre
quem são e quantos são os povos indígenas existentes hoje na Argentina. Esses
dados serão de suma importância para o seu reconhecimento e estabelecimento de
estratégias voltadas para a melhoria de sua situação socioeconômica e cultural.
A situação atual dos povos indígenas na Argentina aparece como um reflexo desse processo de invisibilização e exclusão
e
de
uma
certa
discrepância
que
existe
entre
o
discurso
e
a
prática.
Muitos
povos
indígenas
vivem
em
uma
situação
de
pobreza
apresentando
elevados
índices
de
analfabetismo,
deserção
escolar,
desnutrição
e
doenças
agudas. Eles continuam sendo alvo de preconceito e discriminação que
se
reflete
nas
relações
estabelecidas
com
a
sociedade
nacional,
em
especial
no
âmbito
escolar
onde
muitos
docentes
não
são
bem
preparados
para
atuarem
nos
programas
de
educação
intercultural
e
bilíngue
e
ainda
estigmatizam
as
crianças
indígenas.
Também
existe
uma
constante
expansão
das
fronteiras
agrícolas,
exploração
mineira,
gasífera
e
petroleira,
além
do
crescimento
do
turismo,
que
desaloja
as
comunidades
indígenas
de
suas
terras,
faz
uso
de
sua
mão-de-obra
e
contamina
e
destrói
o
meio
ambiente
e
seus
recursos
naturais,
afetando
as
práticas
tradicionais
dessas
comunidades
e
a
própria
sobrevivência
delas.
A criação das principais organizações indígenas
e
de
um
movimento
etnopolítico
na
Argentina
só
ocorreu
a
partir
de
1970.
O
marco
deste
processo
foi
a
criação
da
Organização
das
nações
e
povos
indígenas
na
Argentina
(ONPIA)
com
o
objetivo
de
lutar
pelo
reconhecimento,
melhoria
das
condições
de
vida
e
garantia
dos
direitos
dos
povos
indígenas
na
Argentina.
Essa
organização
também
tem
como
objetivo
lutar
pela
maior
participação
dos
indígenas
na
gestão
dos
seus
interesses.
Em
2010,
no
marco
das
celebrações
do
bicentenário
da
Revolução
de
Maio,
os
povos
indígenas
organizaram
uma
marcha,
que
saiu
de
diversos
pontos
da
Argentina, mas em especial do extremo
noroeste,
na província de Jujuy, e seguiu até
Buenos
Aires
para
cobrar
visibilidade,
reconhecimento
e
o
atendimento
de
suas
demandas.
Dentre
as
principais
reivindicações
da
marcha,
e
que
condensa
as
reivindicações
dos
povos
indígenas
na
Argentina,
estão
a
reparação
territorial
e
cultural,
a
educação
intercultural
e
bilíngue,
a
criação
de
um
fundo
voltado
para
o
desenvolvimento
das
comunidades
indígenas
a
partir
de
suas
próprias
prerrogativas
e
a
criação
de
um
Estado
Plurinacional
na
Argentina,
a
exemplo
da
Bolívia.
Em suma,
os
povos
indígenas
na
Argentina
passaram
por
um
processo
de
invisibilização
ao
longo
da
formação
do
estado
e
da
identidade
nacional
argentina.
A
partir
de
uma
política
de
dizimação
e
dominação
dos
indígenas,
e
de
um
projeto
de
homogeneização
cultural,
foi
sendo
conformado
um
imaginário
coletivo
que
percebe
a
Argentina
como
sendo
uma
nação
sem
índios.
Esse
processo
também
contou
com
o
fomento
da
imigração
européia
e
com
a inculcação de valores e de um modo de vida europeus. Essa situação só começa a se alterar com a redemocratização da Argentina,
em
1983,
quando
ocorre
uma
mudança
dessa
política
que
passa
então
a
reconhecer
os
povos
indígenas
na
Argentina,
suas
identidades
e
seus
direitos
específicos.
No
entanto,
o
que
se
verifica
é
que
há
uma
tensão
entre
o
discurso
e
a
prática,
que
se
reflete
na
falta
de
efetividade
dos
programas
e
políticas
públicas
direcionados
aos
povos
indígenas,
na
precária
condição
de
vida
desses
povos
e
no
preconceito
e
exclusão
que
eles
ainda
sofrem.
Para
a
reversão
dessa
situação
é
de
grande
importância
o
papel
e
a
luta
das
organizações
indígenas
na
Argentina,
o
estabelecimento
de
um
verdadeiro
diálogo
interétnico
em
que
os
povos
indígenas
sejam
interlocutores
ativos,
e
não
meros
clientes
de
políticas
assistencialistas,
e
que
esses povos originários tenham
seus
interesses
e
demandas
levados
em
consideração
para
a
promoção
do
etnodesenvolvimento
(um
desenvolvimento
que
não
se
choca
com
os
interesses
e
direitos
desses
povos).
Como destaca Roberto Cardoso de Oliveira (2000), o campo indigenista deve
assumir o diálogo interétnico e intercultural como decisivo para a promoção da
cidadania indígena.
Sobre Argentina leia também
Cristina, Peronismo e Esquerda
*Ana
Maria
Magalhães
de
Carvalho é Analista Internacional da Diretoria de Relações Internacionais da UFMG, com bacharelados em Ciências Sociais e Relações Internacionais e especialização em Gestão Cultural
Sobre Argentina leia também
Cristina, Peronismo e Esquerda
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