quinta-feira, novembro 3

Quem com Capitalismo Fere, com Capitalismo Será Ferido

Adjútor Alvim*
Talvez tenham acordado tarde
Os bem intencionados organizadores e participantes das "Marchas dos Indignados” deveriam rever um pouco o passado para entender o presente e pensar a construção do futuro. Temo que seus protestos não levem a lugar algum pois buscam evitar o inevitável. Podem até conseguir diminuir o poder dos financistas, mas não estancarão a queda do padrão de consumo europeu e norte-americano. 

O arado incrementou
a produtividade feudal
Com o perdão do exagero, a última vez que a Europa produziu excedente econômico fruto exclusivamente de seu trabalho foi ao final do feudalismo. Naquele momento, as melhorias das técnicas agrícolas levaram a uma produção maior que o consumo e a um renascimento urbano e comercial. 
Depois disso, a história do capitalismo pode ser resumida em duas palavras: Expansão e Exploração.
Imediatamente após o renascimento comercial, as cruzadas expandiram as rotas comerciais das cidades italianas dando a elas o controle do Mediterrâneo.

Visão Ibérica do mundo
no início do século XV
Querendo também um pouco da ação, espanhóis e portugueses tentam chegar às Índias e descobrem as Américas. Golpe de sorte porque, se não existisse este continente no meio do caminho, as relações de trocas dos países europeus com o Oriente poderiam ser negativas e impedir qualquer acumulação de capital.

Tráfico negreiro
Pizarro mata Atahualpa,
morre a civilização Inca
A exploração da América, inaugura a acumulação de capital na Europa via trabalho alheio. A Europa  passa a produzir nas colônias e vender produtos que outrora comprava.




Enriquecimento europeu a todo vapor
Esta acumulação enche os bolsos dos burgueses e dos governos europeus, financiando a revolução industrial. O capitalismo cria novas necessidades de consumo internamente na Europa e aumenta o bem-estar de seus habitantes. Tudo financiado originalmente com as terras, o suor e o sangue dos indígenas americanos e dos negros africanos.



Independência?
A Europa liberal passa a promover a independência dos países americanos para expandir o número de consumidores de seus produtos, nunca esquecendo de manter a influência política na América livre e o suprimento de matérias primas e produtos agrícoloas em condições favoráveis de troca.



África de todas as cores,
menos a da sua pele
Colônias européias
Nos séculos XIX e XX, a expansão (e sua irmã siamesa exploração) vai para as colônias africanas e asiáticas repartidas entre si pelas potências européias. A hegemonia era britânica, em cujo império o sol nunca se punha.

Os EUA (e aliados) desembarcam
na Normandia. Ainda estão lá.
A disputa pela exploração das terras alheias gera duas guerras mundiais provocadas pelos europeus que se acharam “injustiçados” na partilha e, carecendo de mercados para onde expandir seu capitalismo, tentam fazê-lo na própria Europa.
American Eagle
As duas grandes guerras abrem espaço para que a águia de cabeça branca amadureça e o grande urso acorde. Mas enquanto a águia nada mais é que um europeu que foi estudar fora de casa, o urso se coloca como adversário.

Os outros eram só peões
A ameaça soviética era real. Também tentava expandir-se para novas fronteiras mas sem a democracia do capitalismo ocidental. Pressionados, os governos centrais concederam benefícios aos trabalhadores, insuflados pelo discurso marxista da mais-valia. Os empresários cediam para não permitir o avanço do urso.

A Internacional Socialista ajudou
a humanizar o capitalismo central
Assim, a ameaça do comunismo soviético ajudou a diminuir a exploração da mão-de-obra européia e norte-americana. Nestes países, os trabalhadores passaram a ser melhor remunerados, aumentando o custo da produção industrial no capitalismo central. Nova expansão do capitalismo se fez necessária.



Vargas conhece o fusca em 1953.
A fábrica seria inaugurada em 1959,
em São Bernardo do Campo
O capitalismo central transfere fábricas para o periférico, como a América Latina, e passa a se preocupar mais em pensar, planejar e gerenciar do que em fazer. Surge o capitalismo das grandes corporações multinacionais, onde os serviços concentram-se no núcleo e a produção na periferia. Desnecessário dizer a quem as relações de troca favorecem. A manutenção da influência política é fundamental para a obtenção das melhores vantagens competitivas às novas unidades industriais externas.


1 milhão de vietnamitas
mortos em nome da democracia
Na Ásia, próximo à ameaça soviética, a manutenção do controle político é mais cara. Uma guerra violentíssima foi necessária. Grandes concessões aos governos conservadores da Coréia do Sul e, principalmente, Japão foram feitos para manter estes países sobre o controle do capitalismo central. A principal delas, permitir a expansão do capitalismo tecnológico para estes países, proporcionando um nível de vida bastante alto em relação às demais periferias. Como contrapartida, ao sentir-se ameaçado pelo capitalismo japonês, o capitalismo central exerceu sua influência política, suportada por bases militares locais, para fazer que estes países freassem sua própria expansão.

Foi também necessário fazer um acordo com um filhote de dragão. Veremos detalhes um pouco mais à frente.

Gorbachev sério
Reagan sorrindo
Eis que, para surpresa de muitos, o urso morre e o capitalismo tem oportunidade de expandir seus domínios, montando bases importantes nos territórios inimigos conquistados. Esta expansão acaba sendo pouco significativa por que uma outra, muito mais lucrativa, estava em progresso.



Derivativos e mais derivativos
Depois de entender que o custo de expansão pelos métodos tradicionais (colonialismo e imperialismo) tornou-se politica e economicamente muito alto, o capitalismo central descobre que pode se expandir virtualmente. Não é preciso mais gerar riqueza através da produção de bens e serviços, basta apenas “alavancar” o capital. Bens começam a ser avaliados por valores irreais, a liquidez internacional se multiplica, balanços são fraudados, ousadas lógicas de derivativos passam a reger os mercados de capitais e o mercado financeiro globalizado se expande de forma inédita.

A Enron foi o primeiro sinal que
os pés do santo podiam ser de barro
Um dia, porém, a bolha iria explodir. Descobriu-se que a riqueza dos países centrais não era tão grande assim. Bom, mas este é o ciclo do capitalismo certo? Ciclos de abundância seguida de ciclos recessivos que, segundo os seus estudiosos, servem para organizar a economia até que um novo aumento de produtividade reinicie o círculo virtuoso de produção e consumo. 
Correto?




Shopping Centers (ou "Malls")
Templos contemporâneos?
Não sei. O nível de consumo no capitalismo central assumiu um patamar muito superior à poupança real, sendo financiado pela expansão da liquidez sem lastro. Diferente das outras crises onde havia um momento de acomodação para dar espaço à retomada da expansão, neste caso a queda deste consumo deverá ser muito pronunciada o que já gera um enorme desgaste político aos governos centrais.



Em segundo lugar, e talvez mais importante é que o capitalismo central não tem mais tanta facilidade em encontrar novos espaços em função da expansão do capitalismo chinês, o agora adulto dragão.

Nixon foi buscar lã e
Obama saiu tosqueado
No início da década de 70, EUA e a China selaram um acordo tático contra o inimigo comum, a União Soviética. O gigante asiático passa a aceitar a   coexistência política com os países capitalistas em troca de um acordo de segurança em relação  à China nacionalista(Taiwan), então fortemente armada pelos EUA. 

Zonas Econômicas Especiais
No início da década de 80, a China realiza reformas econômicas, cria as zonas econômicas especiais e passa a aceitar a entrada do capital privado multinacional. O capitalismo central enxerga uma nova fronteira para expansão e exploração. Hoje se vê, entretanto, que o Partido Comunista Chinês já entendia o capitalismo melhor que a direita latino-americana, os partidos conservadores japoneses, os generais ditadores sul-coreanos ou mesmo os estrategistas norte-americanos.

Oficialização de Joint Venture entre
GE Aviation e estatal chinesa
A China, desde então, condiciona a entrada de empresas estrangeiras à associação com o capital local. Isso não impede a exploração da mão-de-obra chinesa, mas faz com que parte da acumulação capitalista seja mantida intramuralha pelo grande capitalista chinês, seu governo. Esta reserva garante recursos para uma política agressiva de investimentos internos e externos.


Tudo por 1,99?
Seu IPhone vem de lá
No comércio internacional, a China também desafia o capitalismo central ao influir nas relações de troca. Com seu dumping social, rebaixa o valor dos manufaturados de baixo valor agregado e, ao mesmo tempo, procura uma maior participação como fornecedora de bens de capital e manufaturados de alto valor agregado. Mesmo nestes, já ocupa um papel essencial no seu ciclo de produção, seja pela fabricação de componentes, seja realizando sua montagem. Na outra ponta, concorre com o capitalismo central pela aquisição de commodities, aumentando a demanda deste tipo de produtos e, como fazia o capitalismo central, buscando o controle da produção nos países periféricos. Estes, por sua vez, contam com uma fonte alternativa de financiamento e com um novo polo de apoio político e econômico.
Commodities valorizadas
Esta inversão das relações de troca entre capitalismo central e periférico proporcionou uma expectativa de futuro aos países pobres. Esquecidos pelos antigos donos do capital desde a crise da dívida nos anos 80 e da corrida para a Ásia, alguns dos governos destes países promoveram políticas de redução de desigualdade, blindando-se contra as outrora comuns ingerências políticas externas e cacifaram-se a exercer políticas externas independentes. O capitalismo central não tem mais as mesmas condições de exploração que antes possuía nesses países.

Em suma, a atuação global da China e suas consequências limitam a necessária expansão do capitalismo central, hoje imerso em uma crise de características inéditas e que põe em jogo a supremacia cultural ocidental.

Decadence avec Elegance
No início do texto, sugeri que as “Marchas dos Indignados” não vão atender aos anseios de fundo de seus integrantes, embora considere importante a diminuição do poder dos financistas. Disse isso porque o desenlace dessa crise passa, obrigatoriamente, por uma queda significativa do padrão de vida nos países desenvolvidos. Também sugeri a revisão da história para compreenderem que seu alto padrão de consumo foi atingido através da expansão do capitalismo e da exploração do trabalho em outras regiões do globo, conjuntura que não deve se repetir mais. Juntando estas duas pontas, talvez tomem consciência que a pena a pagar a partir de agora não é gratuita, mas deriva da sua própria falta de reflexão quando o momento econômico lhes era favorável.

O Dragão ainda tem
muito fogo para soprar 
Fundamentalismo Ianque com
poderio para  destruir o mundo
Ainda há, entretanto, perguntas que só o futuro poderá nos responder. Os países capitalistas centrais conseguirão responder à expansão econômica chinesa? O país asiático ainda tem um exército quase infindável de habitantes a serem incorporados à sua nascente sociedade de consumo. Tem capital acumulado para investir maciçamente no exterior e, caso o mercado externo apresente deterioração, no fortalecimento do seu próprio mercado interno. Caso o ocidente não temha sucesso no plano econômico, como serão suas dinâmicas políticas internas para lidar com o empobrecimento de sua população? Merece atenção especial a política norte-americana, onde é preocupante imaginar o que eleitorado conservador exigirá de seus representantes. Aguardemos.

In Confucio We Trust
Por fim, será que veremos os socialistas ter finalmente realizado seu sonho de superação do capitalismo do Atlântico Norte? E que esta superação será feita pela maior eficiência do sistema econômico e social da Rep. Popular da China? Mas despertarão antes de compreender que este sistema ainda será o capitalismo?


*Adjútor Alvim é o "Editor" do blog Casa de Tolerância

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G20 Personagens a Procura de um Autor

Um comentário:

  1. Inicialmente, digo que achei seu texto extremamente esclarecedor e coerente.
    Passo às minhas observações e dúvidas: o empobrecimento das populações nos países de capitalismo central virá acompanhado do desmantelamento de seus conglomerados de capital? Me parece que não. O governo chinês é sem dúvida um grande capitalista mundial, talvez o maior, mas o capitalismo central ainda permanecerá representado pelas corporações e pelos acionistas oriundos daqueles estados nacionais. Pergunto: o empobrecimento das populações e dos governos em paralelo com a manutenção da pujança das corporações criarão, você acha, conjuntura capaz de levar à conflitos internos nestes países do capitalismo central? Fugirá o capital para paraísos fiscais e sociais? Aqui eu não arrisco palpite.
    Na outra ponta, a população chinesa virá a se sublevar contra o partido? O sacrifício humano na política do dumping social poderá trazer revolta popular? Neste ponto arrisco afirmar
    (sem qualquer conhecimento estatísco ou demográfico específico) que a quantidade de chineses miseráveis ainda sustentará o capitalimo deles durante muito tempo.
    Em suma, os trabalhadores nos países do capitalismo central empobrecerão, os miseráveis do mundo serão explorados para constituir novos ricos, e eu, se me sobrar uma grana, vou comprar título da dívida pública pra ser capitalista quando eu crescer...

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